Quinta-feira, 31 de Dezembro de 2009

O estoiro da boiada está a chegar

No princípio era o verbo. Assim começa o texto de Emir Larangeira, literato e pensador:

 

Fenômeno cantado em prosa e verso e magnificamente explorado em cenas de

cinema, o “estouro da boiada” guarda certo mistério em sua origem. Às vezes a
manada, seguindo a passos conformados em direção ao abate, súbito entra em
explosão a partir da reação atordoada de apenas uma rês. E irrompem todas as reses
em direção ao nada, arrastando tudo pela frente e chifrando-se entre si. Em seguida,
também sem muita explicação, a boiada se acalma e segue em docilidade tão
irracional como no seu extremo de turbulência.
 
Bela encenação do “estouro da boiada” está numas estrofes
do poema de Antônio Miranda Fernandes:
 
“(...) Saía a boiama confusa e cadenciada
Ruminando e olhando para o chão...
E de sinos dispersos, as badaladas,
Iam tocando a massa em procissão.
Em balada profética de triste agouro...
Com pegadas de sofrimento no sertão,
 Caminhando resignada ao matadouro
 Mugindo! Entoando, estranha oração.
 (...) Quando quebrou em instante preciso
O galho de árvore que cai estalando...
Em cima de uma rês que... sem aviso,
É assustada e escoiceia disparando... 
Outras que mugem, tropeçam e rolam;
Alando chispas braseiras num clarão!
Cabeças e chifres confusos se tocam...
O sangue jorra vermelho para o chão! (...)”
 
Ora bem, falar em “estouro da boiada” exemplificando com bois não chega a ser
novidade; mas, se refletirmos sobre o mesmo tema tendo como referência o ser
humano as coisas se complicam, pois a conclusão será a de que também existe entre
nós o “estouro da boiada”, que denominamos “turba” ou “turbamulta”, evolução de
uma “aglomeração” (reunião casual de pessoas sem objetivo comum) para a
“multidão” (reunião de pessoas com objetivo comum, previsto ou imprevisto).
 
Grosso modo, é possível conceber a mudança de comportamento de um aglomerado de
pessoas que, por um motivo qualquer (pânico, por exemplo), passa a constituir uma
multidão e vai ao extremo da turba. Enfim, não é incomum o “estouro da boiada” de
bois ou de gentes, ainda mais se essas gentes vivem impelidas ao “comportamento de
rebanho”.
 
 
O resto da estória é o conto de João Ubaldo Ribeiro com o mesmo mote do estouro da boiada. A propósito de uma turbamulta que deu chacina na Baixada Fluminense e fez levantar de horror as boas almas do Brasil.
 
Também tivemos disso e mais vamos ter neste ano de 2010 que vai começar pior do que terminou o de 2009, com uma maioria parlamentar que não governa nem deixa governar e com um Presidente apostado em dar lições ao Governo, ao mesmo tempo que se lança na promoção de todos os descontentamentos, por mais contraditórios que sejam entre si, venham donde vierem. Foi assim no "adiamento" do Código Contributivo, que cada um à sua maneira, e o Presidente por todos, quis sabotar.
 
A promulgação pressurosa, para não dizer à pressa, desta primeira lei das Oposições Unidas, em não dar ao Governo a menor hipótese de ter sucesso, foi uma ópera de cinismo cantada a sete vozes, "uma balada profética de triste agouro", lançada ao Governo que "resignado  caminha ao matadouro"?  Assim pareceu.
 
Mas eu não me fiaria muito em tanta resignação, sobretudo por parte do Povo que reclama seriedade. Porque de repente, sem mais nem menos, basta "o galho de árvore que cai estalando... em cima de uma rês que... sem aviso, é a assustada e escoiceia disparando..." e é... o estoiro da boiada. 
 
2010 começa mal. 

publicado por JTeles às 00:37
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