O João Ubaldo Ribeiro é dos meus escritores brasileiros preferidos. Calculem a minha emoção quando em mais uma volta pela blogosfera encontrei esta definição: Estouro da boiada, como assim? — A boiada que é povo brasileiro, nós sempre fomos boiada (Modéstia sua, cara, boiada somos todos!) (...) O estouro pode começar com qualquer coisinha besta, até o estalido de um graveto. Então é isso, eu fico com medo que, quando menos se espere, o graveto estale. É o que eu digo sempre: uma revolta pode acontecer quando menos se espera. Sabem como foi o 18 do brumário, que pôs no poder Napoleão Bonaparte? Uma pantomina, a tomada de uns quartéis pela exibição de um documento, o senatus-consultus, que não existia desde a Roma antiga. E a revolução de Outubro de 1910? E a revolução francesa de 1789? Leiam ou releiam Charles Dickens, The Tale of Two Cities, e Anatole France Les dieux ont soif...
Vocês querem é saber o que diz o João Ubaldo? Por isso não seja a dúvida: aí vai o texto, a parte final que o resto é política brasileira, antiga, uma conversa "num boteco do Leblon" no domingo que se seguiu à vitória do Lula:
— (...) Os deputados mesmo, o que estão fazendo agora? Cuidando primeiro do deles! Já são os mais bem pagos e beneficiados do mundo e agora, depois de uma grande medida moralizadora que foi devolver as pastas James Bond que cada um ia ganhar às nossas custas, resolveram dobrar os vencimentos. Uma bobagenzinha, só dobrar.
— Bem, realmente nesse ponto você tem razão. Os caras não aliviam. Trabalham três dias por semana, vivem fazendo CPIs (comissões Parlamentares de Investigação) que nunca dão em nada, têm direito a tudo, comem mulheres ótimas, é um festival. Nesse ponto você tem razão, esses caras só servem pra dar despesa e vergonha.
— Viu você, viu você? É verdade, eles vivem fazendo o possível para que o povo ache que não precisa de Congresso, que só faz trazer despesa e vergonha, além de atrapalhar o governo. E toda hora aparece confusão, como essa dos aviões. Ninguém consegue viajar e quem consegue viaja rezando. E tudo mundo tem cada vez mais medo de tudo, tem gente que não bota o pé fora de casa e cataloga quem pode entrar com um sistema eletrônico de impressão digital, nem amigo entra, se não estiver com a impressão digital cadastrada. Então eu fico com medo do estouro da boiada.
— Estouro da boiada, como assim?
— A boiada que é o povo brasileiro, nós sempre fomos boiada. Tu é do tempo em que a gente lia no colégio duas versões do estouro da boiada, uma do Euclides da Cunha, outra do Rui Barbosa. O estouro pode começar com qualquer coisinha besta, até o estalido de um graveto. Então é isso, eu fico com medo que, quando menos se espere, o graveto estale.
— Mas de certa forma isso seria até bom. Se houvesse uma verdadeira revolta popular, esses caras iam se mancar. Nesse caso, é uma coisa que ia te agradar, botar essa corja toda corrupta e incompetente para fora; eu vou lhe ser sincero, acho que está na hora desse estouro da boiada, acho que estamos precisando de um governo forte.
— É isso que a boiada já está começando a achar também. Pensando bem, eu não estou mais com pena nenhuma dele. (do Lula)
Gostaram? Hoje é 21 de Abril, feriado no Brasil,
dia de Tiradentes. A transcrição é a minha minha maneira de homenagear o Brasil e João Ubaldo Ribeiro. Na próxima sirvo-lhes aqui umas páginas escolhidas dos
budas ditosos. Um manjar dos deuses.